4 de julho de 2011

'Vi quando ele tomou o tiro', diz jovem sobre menino Juan, sumido no RJ

Rapaz diz que foi baleado por PMs entre 20h30 e 20h40, na Favela Danon.
Porém, PMs disseram que foram ao local após chamada no 190, às 20h54.

Mais de dez dias após um tiroteio na Favela Danon, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, a polícia ainda procura pelo  menino Juan, de 11 anos, que desapareceu durante o confronto, na segunda-feira (20). Juan, o irmão dele, Wesley, de 14 anos, e Wanderson dos Santos de Assis, de 19, foram baleados na troca de tiros, que teria sido entre policiais e traficantes.
Por telefone, Wanderson contou que viu quando Juan foi alvejado: “O pequenininho passou na minha frente. E assim que a gente saiu, chegou no finalzinho do beco, aí começou o tiroteio. Eles começaram a atirar. Muito tiro. Aí ele foi baleado, eu tomei três tiros. Eu vi quando ele tomou o tiro. Ele estava na minha frente, então eu vi. As balas vinham de uma direção só”, disse.
Juan vinha da casa de um amigo com o irmão quando ocorreu o confronto. A caminho de casa, os meninos precisavam cruzar um caminho entre os muros altos de duas casas. E foi nesse ponto que eles foram alvejados. No local ainda estão as marcas que a perícia fez de onde foram encontradas manchas de sangue.

Em depoimento, Wesley disse que tomou um tiro no pé e viu o irmão caído, ensanguentado. Ele contou que tentou ajudá-lo, mas recebeu outro tiro, dessa vez no ombro. Então, ele se arrastou para fora do beco. Foi o último momento em que Juan foi visto com vida.
Jovem está convencido de que PMs atiraram

Os dois irmãos passaram por Wanderson quando entraram no beco. Wanderson, ainda está internado no Hospital Adão Pereira Nunes, tratando de ferimentos à bala na perna e nas costas. Ele está convencido de que foram os policiais que atiraram nos meninos. “Falaram que eu troquei tiro com eles. Então foram eles que atiraram, certo? Pelo que dá para eu entender”, confirma ele.
O jovem conta que ele teria sido baleado por volta das 20h30 e 20h40. A informação é conflitante. Os PMs disseram que foram ao local por causa de uma denúncia da presença de traficantes feita pelo serviço 190. A chamada registrada na central é de 20h54, portanto, depois de os três já terem sido baleados. A gravação não foi divulgada pela polícia.
Wesley e Wanderson conseguiram escapar. Wanderson ligou para o pai, que mora perto, e pediu socorro.  O pai do rapaz, cuja identidade foi preservada, disse que quando chegou ao local para socorrer o Wanderson, a polícia ainda estava lá, mas não viu criminosos. Ele encontrou o filho ferido 20 minutos depois e o levou para o hospital.

De casa, a mãe de Wesley e Juan ouviu os disparos. Quando os tiros pararam ela foi procurar as crianças: “Quando eu desci, passei justamente pelo beco, passei pelo local. Não tinha corpo nenhum. Só os policias olhando para o mato. Então eu passei. E falei: ‘Pelo amor de Deus, moço, meu filho. Meu filho de 11 anos estava passando no local na hora. Onde está meu filho?’ O policial respondeu: ‘Não tinha criança nenhuma não, senhora’”, disse ela.
Rosinéia encontrou Wesley ferido na rua. Segundo ela, o filho falou: “Mãe, não esquenta comigo. Eu estou bem. Procura o Juan. O Juan caiu”.
Prisão
Ao hospital, os PMs chegaram trazendo outro baleado: Igor de Souza Afonso, 17 anos, que morreu em seguida. Ele não tinha passagem pela polícia. Ao saber que havia mais dois feridos a bala, os policiais os prenderam: eram Wesley e Wanderson.

“Aquilo me deu desespero de perder o Juan e ao mesmo tempo meu filho ser preso como um traficante”, explica a mãe de Wesley.
O pai de Wanderson negou que o filho fosse traficante. "Eu disse: 'Não, meu filho, não. Meu filho é trabalhador, ele estuda. Ele não tem tempo de traficar, não’”, disse ele.
Há um ano Wanderson trabalha, com carteira assinada, em loja de doces. “Em momento algum a gente acreditou nisso, porque a gente sabe quem ele é, quem é a família dele,” disse Vivian Nascimento, colega de trabalho de Wanderson, que estuda à noite a duas quadras do trabalho.
Registro na delegacia
No registro de ocorrência feito na delegacia, à 01h44, os PMs apresentaram uma arma e drogas como sendo de Wanderson e apontaram Wesley como menor infrator. Mas, 45 minutos depois, mudaram o depoimento: Wesley passou de infrator a testemunha. Wanderson ficou cinco dias algemado à cama, até ter a
prisão relaxada pelo juiz.
"Um menino de 11 anos desaparece, os outros dois vão para o hospital, são presos, taxados como bandidos, e eles ainda têm a sua morte moral, a sua dignidade atingida e as famílias arrasadas", disse o deputado Marcelo Freixo (PSOL), da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
A família de Juan deixou para trás o que não pôde levar nas mochilas e na sexta-feira (1º) entrou para um programa de proteção a testemunhas. A família de Wanderson também deve deixar a sua casa e mudar de estado. A mãe de Juan disse que não tem mais esperanças: "É impossível o meu filho estar vivo", afirmou ela.
As provas que ajudassem a desvendar o que aconteceu com Juan podem ter desaparecido. A perícia só foi feita oito dias depois. “No primeiro momento se entendeu pela oitiva de testemunhas, pela
requisição do GPS, pelo exame das viaturas. Quando chega na DH, o delegado entende que precisa algo mais”, explicou a delegada Marta Rocha, chefe de Polícia Civil do Rio.
Perícia
Foi só com o pedido da Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense que os peritos acharam no beco o chinelo que Juan usava e cápsulas de fuzil. Quatro cápsulas estavam em um ponto e foram disparadas de uma mesma arma. Uma cápsula, de arma diferente, estava a alguns metros.

A posição das cápsulas mostra que os atiradores tinham visão direta para o final do beco onde Juan, Wesley e Wanderson foram atingidos. Todas as cápsulas são das armas dos policiais. "Não foram encontrados nenhum elemento técnico que garanta que foram efetuados disparos de arma de fogo em direção aos policiais. Entretanto, isso também não quer dizer, que não foram efetuados esses disparos", explicou Sérgio da Costa Henriques, diretor do departamente de Polícia Técnica do Rio.
"Se os processos indicarem que há participação de policiais nossos neste crime, eles serão encaminhados à Justiça e serão expulsos da corporação”, disse o coronel Mário Sérgio Duarte, comandante-geral da Polícia Militar do Rio.
Por enquanto, os quatro PMs estão afastados. Um deles, o cabo Isaias Souza do Carmo, já se envolveu em outras oito situações em que um suspeito foi morto em confronto com a polícia. E o Fantástico apurou que outro policial envolvido neste caso, o cabo Edilberto Barros do Nascimento, já é réu em um processo de homicídio qualificado. Ele vai a julgamento este mês.

"Eu só pensava no Juan", diz mãe.(g1)

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